A Conquista da Pedra do Baú

Pisei em São Bento do Sapucaí na sexta à noite. O breu já tomava conta das montanhas do entorno. Não enxergávamos nada além das luzes da cidade. A Pedra do Baú, um marco na Serra da Mantiqueira paulista, escondia-se no escuro. Era a primeira vez que eu vinha para estas bandas. O ano, lembro-me muito bem, 2005. No porta mala do carro eu tinha uma mochila para o trabalho do final de semana com corrida de aventura e outra com equipamentos de escalada. Já estava tudo planejado: após o trabalho, ficaríamos mais um dia para escalar a famosa Pedra do Baú.

História da conquista da Pedra do Baú

Acordamos bem cedo na segunda e, só de observar aquele gingante de pedra, uma descarga de adrenalina correu por minhas veias. Eu sabia que a aventura que estava por vir seria um belo desafio. Escolhemos rapelar a via Normal do Bauzinho 2º III para acessar o Colo de onde partimos para a via Normal do Baú 3º IIIsup. Comemorar a chegada ao cume foi ótimo ! Na volta, rapelamos a Normal do Baú, cruzamos o Colo e escalamos a Normal do Bauzinho para mais uma comemoração.

Escalada na Pedra do Baú em 2005
Antônio Calvo na primeira enfiada da via Normal do Baú, 2005 (foto: José Nelson Barretta Filho).

Qual a altitude da Pedra Do Baú?

A Pedra do Baú tem, segundo a SIGEP – Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos – 1.905 metros de altitude. Do seu cume avista-se o sul de Minas Gerais, parte do Vale do Paraíba e o Planalto de Campos do Jordão. A sua feição geomorfológica, de grande beleza cênica, abrange o conjunto das cristas rochosas da Pedra da Ana Chata, da Pedra do Bauzinho e da própria Pedra do Baú.

A conquista da Pedra do Baú

A conquista do Baú foi uma escalada heroica realizada no dia 12 de agosto de 1940 pelos irmãos sambentistas Antônio e João Cortes, cujos nomes são Antônio Teixeira de Souza Filho e João Teixeira de Souza. Antônio Cortes, desde a infância, sempre sonhava em atingir o cume do Baú. “Era uma ideia fixa, uma obsessão, quase um fanatismo”, escreveu Isaura Aparecida de Lima Silva em seu livro Pedra do Baú, Um Mito, Uma Maravilha, Uma Justiça, de 1988 pela Biachi Editores. Ela conta ainda que Antônio sempre dizia que “ainda hei de ver o que há em cima daquela pedra. Um dia eu subo lá.” Foram diversas tentativas e fracassos até o sucesso.

Na véspera do dia 12, data que havia combinado com seu irmão João mais uma tentativa, Antônio teve um sonho:

“Eu viajava com destino à conquista do Gigante e encontrava muitos obstáculos pelo caminho. Foi aí que apareceu a visão. Vi uma mulher na minha frente: parecia ser velha, de cabelos compridos, metade pretos, metade brancos. Ao chegar mais perto, constatei que era uma linda moça. Cumprimentei-a e, num gesto amigável, convidei-a para seguir comigo. Disse-me que sim e perguntou: “Volta hoje ou amanhã?” Arrependido do meu gesto impensado, disse-lhe que no dia seguinte estaria de volta. Nesse instante, surgiu-me à frente um dos meus filhos e, como a indicar que eu era casado, perguntou se não queria mandar recomendações a minha esposa. Não tendo palavras para justificar minha omissão, desci correndo encosta abaixo, olhando para trás, enquanto ela me dizia: “Vá com Deus! Vá com Deus!” A essa altura do sonho, João bateu à porta da minha casa e, meio dormindo, meio acordado, ainda pude ver a forma precisa de um caminho muito acidentado, que fixei na memória. Tinha certeza de que era a rota que meu irmão e eu deveríamos seguir. Acordei de vez com a voz dele gritando meu nome. Levantei-me e partimos. Enquanto caminhávamos, falei-lhe a respeito da visão e ele sossegou-me dizendo não passar de um sonho. Entretanto, eu estava impressionado e muito.”

As sete e meia da manhã os irmãos já estavam na base da pedra. Dali subiram mais uns cento e oitenta metros até se depararem com um grande paredão liso e vertical. Decidiram descer, cortar uma árvore e usar o tronco para apoiá-lo na rocha e, assim, avançar por ele. “Dominaram o tremor dos membros e, como dois gatos, foram subindo pelos galhos.” Metros acima, outro paredão e uma estreita laje em sua base. Antônio resolveu seguir pelo platô, agarrando-se nas finas fendas e na vegetação. Ordenou ao seu irmão João que o esperasse ali e seguiu matagal para cima. “Enquanto tentava encontrar o caminho, convencia-se da realidade da visão; os fatos eram por demais coincidentes.” Apenas vinte minutos adiante e Antônio encontrou outra parede lisa. Mas sem pensar no perigo, “pôs-se a subir por ela como um animal acuado.” A história conta que por inúmeras vezes Antônio Cortez quase rolou montanha abaixo, segurando-se apenas com seus punhos forte. Vencendo os obstáculos e o enorme desafio, realizou o seu sonho e chegou ao cume da Pedra do Baú!

Conquista da Pedra do Baú - São Bento do Sapucaí
Troncos utilizados como “escada” para subir a Pedra do Baú (fonte: Pedra do Baú, Isaura A. de Lima Silva)

Ao chegar ao cume com o coração a mil e respirando o ar de quase dois mil metros de altitude, Antônio – religioso como era -, arrancou um arbusto e fez uma cruz, deixando o testemunho de sua conquista no local. Lembrou-se do irmão e pôs-se a voltar pelo mesmo caminho, queria dividir com alguém a felicidade e alegria deste feito do montanhismo nacional. Encontrou João imóvel no mesmo lugar, assim como o deixara, e ao narrar sua conquista, uma enorme alegria dominou o coração dos dois. Antônio arrancou um arbusto que encontrou por ali e estendeu-o à João para ajudá-lo. Qualquer descuido seria fatal, lançando os dois abismo abaixo. Mas a vontade de chegar ao cume era tanta, que tudo deu certo! Após caminharem por todo o cume, Isaura narra que eles subiram “até o ponto mais alto, de onde gritaram, a pleno pulmões, para alguns matutos que os observavam incrédulos, boquiabertos, duvidando daquilo que seus olhos viam.”

Foram necessárias mais duas horas de descida até alcançarem o nível do solo, pisando em terra firma. Chegaram em casa já à noite, cansados, mas com força para narrarem os acontecimentos para a família. Antônio decidiu “dar uma volta na praça, para contar para os amigos que ainda estivessem acordados a façanha da conquista que muitos achavam impossível.” A notícia correu e nos dias seguintes não se falava noutra coisa na cidade e arredores. Uns acreditavam na notícia, outros duvidavam da veracidade dos fatos. E para convencer os incrédulos, os irmãos Cortez disseram que iriam repetir o feito com a presença de quem quisesse ver. Foi marcado uma nova escalada para 19 de agosto de 1940, ou seja, uma semana após o feito heroico.

Antônio Cortez, conquista da Pedra do Baú
Antônio Cortez escalando a “parede lisa” da Pedra do Baú (autor desconhecido)

O povo preparou uma grande festa para comemorar o evento e uma caravana com autoridades de São Bento do Sapucaí , convidados de outras cidades e muita gente da terra, seguiu para a Pedra do Bauzinho a fim de confirmar a façanha dos irmãos. Por volta do meio dia os dois apareceram no cume do Baú acenando para a multidão. Gritos, palmas e saudações do povo foram emanados por todos. “A surpresa foi maior ainda quando tiraram de um sacola a bandeira brasileira e hastearam bem no tombadilho do rochedo. Neste momento, a banda de música da cidade, presente no local, fez ressoar os primeiros acordes do hino nacional.” Horas depois, já em terra firma, e no bairro do Paiol Grande onde uma multidão os aguardava, foram abraçados e ovacionados por todos. Convencionou-se, no entanto, que a data oficial da conquista seria no dia 19 de agosto. Dias depois o governador Adhemar de Barros recebeu um telegrama:

“Excelentíssimo Senhor Doutor Adhemar de Barros – Campos Elysius – São Paulo.

Temos a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, no dia dezenove do corrente mês, os irmãos João e Antônio Teixeira de Souza, num rasgo de audácia e temeridade, conseguiram galgar a attingir a crista da legendária “Pedra do Baú, fazendo tremular alli, ao lado de uma cruz, o pavilhão estrellado do Brasil, sob os acordes do Hyno Nacional e a vibração emocionada de cerca de trezentas pessoas, inclusive autoridades locais, que testemunharam o fato pt Essa ousada façanha, segundo seus autores anteciparam, foi levada a affeito em homenagem ao digno interventor de São Paulo que tanto carinho vem demonstrando pelo progresso desta zona da Mantiqueira pt

Atenciosas saudações

Raul da Rocha Medeiros – Juiz de Direito – Francisco T. de Carvalho Filho – Promotor – Epaminondas Barras – Delegado de Polícia – Francisco Chiaradia – Advogado – José dos Reis Coutinho – Solicitador”

Conquista da Pedra do Baú
A bandeira brasileira tremulando no cume da Pedra do Baú (autor desconhecido).

Encerrava-se, assim, a fantástica história da conquista desta bela montanha. Outros fatos interessantíssimos aconteceram nos meses seguintes como, por exemplo, o incentivo de Antônio Cortez para que a sua esposa fosse a primeira mulher a pisar no cume do Baú e o fascínio que o empresário Luiz Dumont Villares adquiriu pelo Baú, patrocinando, alguns anos depois, a construção das escadas de ferro – Via Ferrata – que levam ao topo da pedra e, ainda, a construção em seu topo de um dos primeiros refúgios de montanha do Brasil. Mas isso é história para outro texto…

Boas aventuras,
Antônio Calvo.

Antônio Calvo - Armazém Aventura
Antônio Calvo

Os passeios, cursos, palestras e workshop são ministrados por Antônio Calvo, apaixonado por atividades ao ar livre desde a sua infância quando participava do Grupo Escoteiro Guia Lopes - 39o em São Paulo. Antônio tem experiência em diversos esportes como montanhismo, caminhada, escalada, canoagem e até dog sladding (trenó puxado por cachorros). É formado em Educação Experiencial Ao Ar Livre pela Outward Bound Canada, Tonhão como é conhecido, também tem formação pela Associação Canadense de Guias de Montanha - ACMG. Possui certificação em resgate de montanha pelo COSMO - Corpo de Socorro em Montanha - e Wilderness First Responder pela Wilderness Medicine Institute da NOLS. Além de trabalhar como instrutor e guia de montanha - seu currículo passa pela Antártica, Rochosas, Andes, Mantiqueira - administra, em São Bento do Sapucaí - SP, a loja e agência de turismo de aventura Armazém Aventura. Trabalhamos em conformidade com as Normas Brasileiras de Turismo de Aventura - ISO e ABNT NBR - além de possuirmos CADASTUR.

Antônio Calvo

Antônio Calvo

Os passeios, cursos, palestras e workshop são ministrados por Antônio Calvo, apaixonado por atividades ao ar livre desde a sua infância quando participava do Grupo Escoteiro Guia Lopes - 39o em São Paulo. Antônio tem experiência em diversos esportes como montanhismo, caminhada, escalada, canoagem e até dog sladding (trenó puxado por cachorros). É formado em Educação Experiencial Ao Ar Livre pela Outward Bound Canada, Tonhão como é conhecido, também tem formação pela Associação Canadense de Guias de Montanha - ACMG. Possui certificação em resgate de montanha pelo COSMO - Corpo de Socorro em Montanha - e Wilderness First Responder pela Wilderness Medicine Institute da NOLS. Além de trabalhar como instrutor e guia de montanha - seu currículo passa pela Antártica, Rochosas, Andes, Mantiqueira - administra, em São Bento do Sapucaí - SP, a loja e agência de turismo de aventura Armazém Aventura. Trabalhamos em conformidade com as Normas Brasileiras de Turismo de Aventura - ISO e ABNT NBR - além de possuirmos CADASTUR.

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